Sérgio Pimentel (e uma primeira ode de amor a São Paulo)

imagem por HarlanH
Caros todos,

Pedindo desculpas a todos, mas em consideração a muitos que compartilham do mesmo sentimento, gostaria de dizer algumas palavras sobre o Sérgio Luiz Pimentel, conhecido, também, por Geléia.
Sei que muitos dos(as) senhores(as) não gostam sequer das poesias, menos ainda de saber o que tenho a dizer e a ver sobre e com o Sérgio. Como, no entanto, muitos gostam das poesias, em respeito a eles, essa parte aqui pode ser pulada. A poesia está abaixo.
Feito o alerta, voltemos ao Sérgio.
Por duas vezes, quando ainda “procurava” no Amazonas, minha querida terra natal, fui duas vezes fazer substituições de vinte dias cada, na PR-Acre. Foi nessa época que conheci a figura. Gordinho, no que somos iguais, e feio, ele, eu sou um espetáculo da natureza. Gordinho e feio, mas bom papo e bom copo!
A Rosa, com certeza, não concorda comigo no quesito beleza, mas tudo bem, o amor é cego, surdo e, às vezes, burro. Não é o caso do casal a burrice, mas... deixa prá lá. O importante é que são casados e têm dois filhos lindos, a Clara e o João Neto.
A Clara está mocinha e é muito inteligente, tanto assim que queria ficar morando em Sampa, no que tinha meu total apoio.
O João Neto é uma criança especial. Especial em todos os sentidos. Tão especial que trouxe os seus pais e sua irmã para São Paulo, o que eles não ousariam fazer, não fosse a existência do João.
Estando eu aqui em Sampa já há quase três anos, certo dia recebo uma visita no gabinete que ocupava na PR-SP. Quem me aparece? Ele mesmo, o Sérgio.
- Que que tu tá fazendo aqui? Perguntei após os cumprimentos.
- Não é que o João Neto está com leucemia?
Minha voz travou e meus olhos marejaram. Juarez e Maria Rosa, meus filhos, que nunca saem dos meus pensamentos, vieram-me à lembrança como uma britadeira que rompe o mais duro concreto.
Me contou o Sérgio que aqui estavam para ficar pelos próximos dois anos, tempo que levaria o tratamento do João.
Fiz as perguntas de praxe: onde (hospital) seria o tratamento; onde morariam etc.
Quis saber sobre o Atel e o “Esquina Verde”. Ele me disse que ambos estavam bem.
Atel é o irmão do Sérgio, proprietário do “Esquina Verde”, o melhor restaurante de Rio Branco, Acre.
O restaurante é tão bom que até o conhecido mau humor cordial do Atel não diminui a freqüência dos comensais. Lá jantei várias noites, onde ficamos até altas horas, bebendo cervejas e, algumas vezes, vinho. O Sérgio é metido a entendido, é um enólogo de baixa qualidade, embora se julgue um exímio conhecedor do tema. Lá o Sérgio me contou histórias homéricas sobre aqueles que violam as recomendações para os que bebem o chá do Santo Daime. Não conto por que é imprópria, em especial para senhoras e senhoritas.
Parênteses: o Acre é tão atrasado que, certa vez, pedimos que minha mãe enviasse, de Manaus, o centro do mundo, uma garrafa de vinho, cuja marca ora não recordo, para que o apreciássemos em Rio Branco (não levem a mal aqueles que não são dos dois Estados citados – Amazonas e Acre –, pois eu e Sérgio travamos uma batalha fratricida para sabermos qual é “o melhor do pior”, para alguns).
Pois bem, visitei a família logo em seguida. O João já recebera as primeiras medicações e se embalava divina e arriscadamente em uma rede atada em seu quarto sobre a cama, dando azo a um costume muito amazônico, herdado dos nordestinos que nos colonizaram.
O restaurante é do Atel, mas, segundo o Sérgio, ele, Sérgio, sabe cozinhar melhor e/ou igual ao seu irmão que faz sucesso. Para me mostrar essa sua habilidade, Sérgio me prometeu mais de duas vezes que iria preparar um peixe para nós em ambas as vezes que eu estive em Rio Branco. Mentira de pescador, esse peixe nunca saiu sequer de dentro d’água.
Como eu sempre falava da promessa não cumprida, certo dia, já aqui em Sampa, fui convidado para comer uma peixada na casa da família Pimentel, a qual seria preparada com peixe acreano, que eu insisti que, na verdade, deveria ser amazonense, os melhores de água doce.
Para lá fui no dia marcado. O peixe realmente só podia ser amazonense, pois estava uma delícia.
Depois deste dia permanecemos mantendo contato. Logo em seguida começaram as partidas de “futebol de salão” no Sesc Consolação, onde eu costuma dar show de bola, para inveja do acreano, que não suportava a habilidade do amazonense. De vez em quando ele fazia umas lambanças, nada que mereça ser narrado, pois não se comparavam às minhas jogadas geniais. Tudo isso fazíamos com nossos corpinhos maravilhosos e muito, muito e mutíssimo acima do peso ideal, considerando a nossa elevada baixa estatura.
Depois do futebol íamos para o “Bar do Ceará”, bar não, boteco. Boteco não... tá bom, deixa boteco, já que não conheço uma classificação inferior. Era um sujinho desses da vida (não confundir com a rede chique de restaurantes paulistas denominados SUJINHOS. O do Ceará é sujo mesmo, literalmente). Entretanto, o tratamento que o Ceará dispensa aos seus clientes supera toda e qualquer possível deficiência no que tange à higiene. O cliente pode até morrer de botulismo, mas morre bem atendido. Lá repúnhamos o líquido perdido com o suor, a fim de evitarmos uma possível desidratação, sabe como é que é!
Ia esquecendo, antes de ir almoçar na casa (ap.) do Sérgio, fomos almoçar no Terraço Itália. Nada de romantismo, por favor, apenas dois caboclos (os caipiras dos palistas) admirando a imensidão da cidade.
Dei umas dicas para ele e, dias depois, já com as próprias pernas o xucro em Paulicéia foi ver os carros importados naquela rua em que a Augusta se transforma lá no seu final (Av. Europa). Depois de conhecer, pessoalmente, ferraris, porches e jaguares e etc., diz ele que almoçou uma carne divina num local em que ficou amigo do proprietário.
Também fomos algumas vezes no “Bar do Rivaldo”, para variar e descasarmos a beleza do “Ceará”, sendo que o concorrente também é outro cearense, o qual “sorri com raiva”. É extremamente mal humorado. Não sei como ainda não faliu. Certamente por que vamos lá. Fica na esquina da Frei Caneca com Marquês de Paranaguá, para quem desejar conferir.
Nossas últimas aventuras etílicas, que não se estendiam até o amanhecer pelo fato da Rosa ligar para seu príncipe encantado a cada dez minutos, depois das duas da madruga, aconteceu no Frangó (o bar da Freguesia do Ó. Para os acreanos que não conhecem de música, apesar de terem o Sérgio Souto, o qual deve ter algum pé no Amazonas, lembram daquela música do Gil: “sou da Freguesia do Ó, ó, ó. ó, aqui prá vocês”? É nesse bairro mesmo), seu endereço é: Largo Nossa Senhora do Ó, 168, Freguesia do Ó, e no Bar do Plínio, que fica na Rua Bernardino Fanganiello, 358, Casa Verrrrrde (no sotaque paulistano).
Parêntese: Rosa, não acredite na fábula, você já beijou muitas vezes e, até agora, nenhuma transformação... é, não custa continuar tentando.
No Frangó comemos um frango assado (aqui eles chamam de grelhado) no carvão, saborozézimo. Além de ter sido assado no carvão, o preparador teve o bom gosto (questão de higiene) de tirar aquela glândula sebácea que fica sobre o rabinho do frango (galo, galinha ou algo que o valha). Lá, também, nos foi apresentada a cerveja Kaiser Gold, uma cerveja preta deliciosa, nem parece que é Kaiser. 
Depois de sairmos do Frangó, onde comemos ainda as famosas coxinhas, cujo recheio de catupiry e outras iguarias se derretem na boca, fomos para um bar e restaurante que ficava nas cercanias, o Bar do Plínio, que integrava o roteiro dos Botecos das cervejaria Bohemia, que era composto por trinta e um botecos. Pretendíamos visitar todos, mas visitamos apenas dois, isso numa noite. Prova? Temos nossos Passaportes (fornecido nos botecos participantes) devidamente carimbados. Lá comemos um tucunaré fresquinho, fresquinho. Era como se estivéssemos no Mercado Municipal de Manaus! O garçom, infelizmente, mentiu, disse que o peixe teria sido pescado por seu patrão no Mato Grosso. Aquele era amazonense até debaixo d’água, tanto assim que levei a aba traseira do pescado, a qual tem várias tonalidades e uma espécie de lua negra envolta por vários matizes de cor dourada, para que minha mãe desse o veredicto final. Como era madrugada e ela estava no melhor do sono, no dia seguinte, me disse que respondeu qualquer coisa, pois pensou que era um pedaço de pizza, porém, depois de ter lhe mostrado, me aconselhou a ir dormir.
Quando Sérgio partiu de Sampa rumo ao Acre eu estava em Manaus de férias. Não pude me despedir dele e de sua linda família pessoalmente. Foi uma pena.
O Sérgio se foi e deixou um grande vazio no peito deste amigo que ora escreve essas bem traçadas linhas, minha tristeza pela ausência sentida, no entanto, é compensada pela felicidade que experimento pelo fato do João Neto ter voltado para sua outra casa com a saúde que não trouxe, mostrando que Sampa, se não chega a ser a casa de todos, é a casa onde se pode vir buscar e levar não só saúde, mais inúmeras outras coisas que nos tornam mais felizes.
Finalizo dizendo que, mesmo os milhões de habitantes desde querida cidade, não são capazes de suprir a falta de uma grande figura. Cada amizade tem seu quê de mistério, sua particularidade, e outros sentimentos que a fazem única. Sérgio, sua saudade é lastimada, e creio que não só por mim, mas por todos que, aqui, tiveram a felicidade e o privilégio de conhecê-lo.
Gostaria de mostrar meu lamento pela ausência do amigo e parceiro em um poema, mas, infelizmente, não tenho talento para isso e o Vinícius já tomou minha nostalgia e disse o que eu gostaria de dizer, vejam isso abaixo:

Osório Barbosa
Soneto do Amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
Autor: Vinícius de Moraes

P.S.: Os acreanos sabem que estou brincando com aquela terra acolhedora, e os da PR-AC sabem que formam um dos melhores corpos de servidores, em termos intelectuais, das PRs por onde já passei.

P.S.2: Já que falei do Sérgio Souto, para aqueles que não conhecem, segue, abaixo, a letra da música dele e do Amaral Maia, “Falsa Alegria”, a qual eu gostaria de propor que se tornasse o hino do Acre, já que é muito mais bela que qualquer lengalenga cívico-patriótica. Senão vejamos:

Puxa a cadeira e senta conversa com um velho amigo
A muito tempo preciso contar todo o meu castigo
Mas veja que graça a dor estampada em meu rosto
E a sombra da noite que hoje me servem de encosto
  

As vezes nem quero pensar mas me fica o talvez
Veja que eu aparento bem mais uns dez anos
E as mágoas do tempo acabaram com todos os meus planos
  

Dedilha um samba enquanto eu afino o coração
Te juro não olho pro nome dela gravado na mesa
E deixa um segundo a alegria enganar a tristeza
  

Que essa rodada é por conta da casa do patrão
Eu hoje só tenho uns amigos de bar
E deixo essa falsa alegria a tristeza enganar
  

Dedilha um samba enquanto eu afino o coração
Te juro não olho pro nome dela gravado na mesa
E deixa um segundo a alegria enganar a tristeza
  

Que essa rodada é por conta da casa do patrão
Eu hoje só tenho uns amigos de bar
E deixo essa falsa alegria a tristeza enganar | Bis

Desce mais uma cerveja bem gelada seu garção (?)

Agora a lua está boa para se cantar pega o violão

Desce mais uma cerveja bem gelada seu garção (?)

Agora a lua está boa para se cantar pega o violão

Senta eu explico tudo o que a vida me fez


Um comentário:

Minha fábrica de sonhos... disse...

Já residi no Acre, em Cruzeiro do Sul, depois Rio Branco e AMEI.

Terra acolhedora, de pessoas do Bem!!!!!!!!

Nostalgia... Saudades do Acre.
Nara.