Como um livro mudou a minha vida

“Estude como se você fosse viver para sempre. Viva como se você fosse morrer amanhã”                                                                                                                 (anônimo)


Corria o ano de 1993 e as escolas de samba estavam em seis ensaios para o carnaval que se aproximava. Eu estava na quadra da Mocidade Independente de Aparecida, no bairro de mesmo nome na cidade de Manaus. Eis, então, que me pergunto: meu Deus, o que estou fazendo aqui?

Em 1987 eu tinha me formado no curso de Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas e, no ano seguinte, 1988, obviamente, na minha segunda tentativa, já tinha passado e assumido o cargo de promotor de Justiça do Estado do Amazonas. Estava, portanto, com cinco anos de casa, e, pela primeira vez, me sentia insatisfeito naquele cargo. A mudança na chefia da instituição estadual me deixou desestimulado. Saiu Aguinelo Balbi, uma espécie de Aristides Junqueira Alvarenga baré (tribo de índios que povoavam Manaus) e seus sucessores foram, para mim, uma decepção, pois além de não estimular o trabalho dos promotores de justiça, passaram a tolhê-los.

Aristides ainda brilhava no Ministério Público Federal (MPF), especialmente ao confrontar atos do presidente da República com a Constituição perante o STF. É para lá que eu vou, decidi.

A diferença vencimental era nada, praticamente, e eu não conhecia a estrutura do MPF, mas estava insatisfeito.

(Depois que adentrei nas hostes do MPF fiquei arrependido de não ter entrado antes! A estrutura federal é muito boa, frente a estadual, que praticamente inexiste. Assim, o acessório – estrutura que nos é fornecida [secretária, Assessor, dois estagiários, mais meio assessor {quinze dias em cada mês}] -, faz com que os subsídios quase que dobrem, ou tripliquem, frente ao MP Estadual, onde, nem sequer se tinha [tem] computador! Eu usava uma olivetti com carbono!).

Eis que no meio de um samba, eu, que ainda acreditava mais em Deus, disse-Lhe: “meu Deus, quero passar no concurso para procurador da República. Vou fazer minha parte. Se o Senhor achar que eu mereço, me ajude, como sempre tem feito”. Saí da quadra e fui para casa. Para os livros.

Passei a ler nos meus momentos de folga. Como o último concurso que eu tinha feito era “recente”, as matérias ainda estavam frescas e eu não tive maiores dificuldades além do sono, que costuma me castigar, especialmente, depois do almoço. Quando fiz vestibular, enfrentava o sono usando o remédio “reativan”, que me fora informado por um professor. Como, acredito, tal droga me danificou o estômago e como eu não tinha mais pressa em ser aprovado, sempre que o sono chegava eu dormia até ele ir embora. Muitas vezes eu acordava e começava a ler, o sono voltava e eu dormia de novo. Isso fazia com que, em muitas oportunidades, eu varasse as madrugadas.

Veio o concurso. Aquele foi o único Concurso Nacional para preenchimento de Cargos de Procuradores da República (CNPR) que teve suas inscrições gratuitas. Foram 6.035 o total de inscritos (e, nesta época, as Faculdades de Direito ainda não tinham colocado no mercado o imenso contingente de graduados desde as suas proliferações).

No final da caminhada, no dia 02.06.95, 57 (cinquenta e sete) daqueles que deram a largada chegaram aos seus objetivos.

Dos 57, nem todos tomaram posse no dia 21.06.95 (no salão nobre do Senado Federal, em Brasília-DF).

Dentre os empossados estava o cearense Alessander Wilckson Cabral Sales, que me apresentou o Boletim Informativo do STF, que estava dando os seus primeiros passos. Gostei de lê-lo. Então, pensei: vou acompanhar essa publicação e utilizá-la em minhas atividades funcionais. Vou pegar o julgado e colocar sob o dispositivo constitucional que tenha sido analisado para a decisão da matéria. Assim o fiz.

Já trabalhando em Roraima, certa vez mostrei a minha “montagem/organização” ao dileto amigo Vallisney de Souza Oliveira, juiz Federal e ex-colega de Ministério Público do Estado do Amazonas, sendo que ele, também, teve passagem meteórica pelo MPF.

Ele me disse que gostou do “trabalho” e me perguntou se podia apresentá-lo ao Dr. Juarez de Oliveira, ex-coordenador jurídico da editora Saraiva – que todos os mais velhos o conhecem muito bem, pois seu nome vinha em todos os códigos da editora, a ponto de uma colega, no Amazonas, ter escrito: “segundo o Código Civil de Juarez Oliveira...” –, e que agora estava montando sua própria editora, a Juarez de Oliveira. Respondi-lhe que sim.

Pouco tempo depois o próprio editor, para minha satisfação, me ligou e disse que encaminharia as provas do livro. E eu nem tinha idéia do que era tal prova! Certo é que em brevíssimo espaço de tempo recebi a encomenda postal contendo a tal prova. Olhei rapidamente e devolvi o material.

Para minha surpresa, em cerca de três meses, o livro estava nas livrarias!

Meu coração era uma alegria só! Foi, então, que entendi a história de que todo homem deve plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho!

Embora eu não tenha escrito nada, apenas organizei, fiquei radiante com a publicação.

Ainda morando em Manaus, eu, mamãe e meu filho mais velho, o Juarez, formos fazer uma viagem à Argentina, Uruguai e os Estados da região Sul. Fomos de avião, viemos de avião com escala em São Paulo. Votamos de ônibus até São Paulo, novamente, oportunidade em que fui fazer uma visita e conhecer pessoalmente o Dr. Juarez. O jovial senhor me recebeu divinamente. Disse-lhe que meu pai também se chama Juarez, que tenho um primo de nome Juarez e ali estava meu filho e seu xará. Ou seja, os Juarez cruzaram meu caminho. Ou eu cruzei o deles.

Conversa vai, conversa vem, pois o Dr. Juarez é um excelente conversador, poeta, compositor, cantor etc., me perguntou por que eu não vinha fazer um mestrado em São Paulo.

Respondi-lhe, pois era verdade, que não tinha pensado nisso e que não tinha o mínimo interesse em fazer. Ele ponderou: “pense melhor, creio que vai ser bom para você. Em breve ligarei para você para conversarmos sobre isso”.

Voltei para Manaus e, algum tempo depois, ele me liga: “as inscrições para o mestrado na PUC-SP estão abertas, mande-me uma procuração”. Mas Doutor... “Não se preocupe, eu vejo tudo para você”.

Encaminhei a procuração e, rapidamente ele me informou o dia que seria a prova e o livro que eu deveria estudar (“Hermenêutica Constitucional”, do Celso Bastos). Sem muito entusiasmo estudei e vim fazer a prova.

Voltei para Manaus e comprei um apartamento num flat na praia de Ponta Negra. Estava começando a febre dos flats naquela área.

Para minha surpresa, Dr. Juarez me liga e diz para eu encaminhar outra procuração, salvo engano, pois ele iria me matricular no mestrado em Direito Constitucional. Acatei.

O acatamento implicou o desfazimento do negócio com o flat, pois fiquei com receio de não poder pagar o curso e as prestações. Depois do negócio desfeito, vi que poderia ter pago ambos. Tive prejuízo quanto ao flat, pois valorizou-se absurdamente!

Nesse ínterim, tinha saído a segunda edição do “A Constituição Federal vista pelo STF”. Tanto esta, quanto a primeira, foram de mil exemplares. É um livro com cerca de mil páginas!

Quando eu já estava em São Paulo saiu a terceira edição. Esta, de mil e quinhentos exemplares. Quando foi entregue pela gráfica, fui até a editora e tirei fotos sobre a montanha de livros!

Foi o primeiro livro “cartonado” (capa dura) da Editora!

Dr. Juarez, em várias oportunidades, especialmente nos almoços que ele fazia questão de não rachar, me disse que o livro ajudou a “empinar” sua editora, e que me é muito agradecido. Outra coisa não lhe disse que, mais agradecido sou eu a ele, pois além da enorme satisfação pessoal pela publicação, cheguei a ganhar cerca de uns 50 mil com direitos autorais, para espanto de muitos colegas que me confessaram que nunca ganharam nada (ou muito pouquinho) com suas obras.

Terminei o mestrado (defendi a dissertação cujo tema é: “Direito Constitucional de Petição") e, em 2003, pedi remoção para a São Paulo, pois tinha adorado, como de fato adoro, esta cidade, que, além da alegria do livro, me deu, também, um outro filho, o Osório di Maraã Barbosa, e uma outra filha, a Antonia Angela Pinheiro Lima Barbosa.

Para um misto de alegria e tristeza, meu livro foi morto por quem praticamente o pariu: o STF!

Explico-me: é que o STF passou a publicar, em seu sítio e em impresso, algo similar ao nosso livro, chama-se “A Constituição e o Supremo”, que segue a mesma estrutura e disposição de “A Constituição Federal vista pelo STF”, da editora Juarez de Oliveira!

Com a publicação do STF, a publicação da Editora Juarez de Oliveira perdeu competitividade no mercado e veio a ser interrompida sua publicação. De qualquer modo, o índice de assunto da publicação germinal é insuperável, até por que a do STF sequer o tem.

Restou, com tudo, o dilema/vingança: quem plagiou quem?

Passados dez anos desde a primeira edição de “A Constituição Federal vista pelo STF”, minha vida deu uma guinada jamais por mim sonhada ou planejada, mas, certamente, me deu e está me dando, ainda, muita felicidade.

Osório Barbosa

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