Geografia dos quarenta anos

Hoje me lembrei de que estou bem perto dos quarenta anos. Supostamente isto deveria ser motivo de comemoração, afinal quarenta anos já são metade ou mais da vida e nada mais justo do que seguir o protocolo. Vamos comemorar, então. Ocorre que eu não tenho motivo algum para comemorar. A não ser que alguém ache que o início da derrocada requer alguma comemoração. Senão vejamos:

A minha pele está cada dia mais sem viço, sem cor e ressecada. Se até alguns anos atrás eu me preocupava com algumas espinhas teimosas que cismavam em invadir meu rosto trintão, hoje me preocupam os vincos que surgem em profusão em volta dos olhos. Embaixo do meu queixo uma papada que lembra muito a parte inferior do bico de um pelicano teima em avolumar-se, como se algo a inflasse aos poucos diariamente.

Meus olhos não funcionam mais da mesma forma. É assustadora e frustrante a tentativa de ler qualquer coisa que tenha letras miúdas. Ultimamente tenho fugido como um louco de bulas de remédios e rótulos em geral. Ou tenho suportado bravamente a humilhação de pedir a alguém, muitas vezes um estranho qualquer no supermercado, que os leia para mim.

E os dentes? Estes estão cada vez piores. Toda vez que vou ao dentista descubro um novo nome de doença, que sequer sonhei existir. Em um dia ele me diz que há retração gengival; em outro, fala de uma significativa perda óssea; já na seguinte menciona um desgaste acentuado nos caninos. Sensibilidade virou uma palavra corrente no meu vocabulário e creme dental para dentes sensíveis, que antes eu imaginava ser coisa de gente fresca, há algum tempo faz parte de minha lista de compras.

Vamos descer um pouco a análise. Eu que pensei que só os peitos femininos caíssem, noto com pesar que a gravidade também afeta sem dó os masculinos. A auréola está mais protuberante e os mamilos cresceram um pouco, para meu horror, ao passo que começam a apontar teimosamente para baixo.

Desçamos mais um pouco em direção à barriga. Ah, a barriga! Cada dia que passa ela fica um pouco maior. Cresce como a de uma gestante e não há coisa alguma que a faça parar. Não há abdominais que resolvam o volume incômodo que persiste em crescer em volta da minha cintura. Por enquanto ainda lembro vagamente uma senhora grávida de cinco meses, mas caminho resoluto para os nove. Como certamente jamais darei à luz, avalio pesaroso onde isso vai parar.

Com o crescimento cada vez mais evidente da barriga, começo a ter certa dificuldade para enxergar meu bráulio sem ter que me curvar um pouco. Por falar nisso, está aí outra parte de minha anatomia que já viu dias melhores. O meu amigo tem me deixado na mão com certa freqüência ultimamente. Não que eu tenha tanta oportunidade de usá-lo, já que outra consequência da idade é que sou cada vez menos paquerado e quando paquero a rejeição também é mais frequente, o que é ainda pior, pois se nas poucas ocasiões que me aparecem ele falha, o saldo não tem sido propriamente o que se pode chamar de positivo.

Eu sei que as mulheres têm um certo prazer em observar a bunda masculina, mas, no meu caso, esta é outra parte da minha anatomia que não me favorece. Trata-se de outro ângulo no qual está difícil notar algo de positivo. Se eu for analisar apenas a parte estética (digo isso porque, em nome da dignidade e do bom gosto, não quero falar de prisão de ventre, hemorroidas e outros que tais), devo dizer que também aí a força da gravidade tem sido má companheira. Ultimamente tem se acentuado uma incômoda dobra entre o término das nádegas e o início das coxas.

Se antigamente eu costumava reclamar que os bolsos das calças sociais ficavam abrindo, porque elas ficavam apertadas na bunda, hoje tenho a nítida impressão de que ela está cada dia mais achatada, por isso graças a deus não tenho mais esse problema. As calças agora ficam largas e os bolsos bem fechados. Uma elegância só.

Pelos em profusão. Eu que jamais fui peludo começo a notar que nascem pelos enormes nos lugares mais incomuns do meu corpo. Alguém poderia explicar para que servem os pelos nas orelhas? E no nariz? Pois bem, os poucos que já existiam estão maiores e em maior quantidade. Não adianta arrancá-los, pois alguma espécie de super fertilizante que migrou para certas partes do corpo faz com cresçam cada dia mais viçosos.

Fertilizante este que certamente deve ter despencado do alto da cabeça, onde os cabelos são cada dia mais raros. Deve ser isso: com a gravidade, a força que fazia nascerem cabelos na cabeça migrou para as orelhas, para o nariz e as sobrancelhas. Tenho medo de me assustar qualquer hora diante do espelho com as duas imensas taturanas que apareceram sobre meus olhos. Elas, ainda por cima, têm alguns fios bem rebeldes, que teimam em saltar do rosto, rumo ao infinito. Eles ficam eretos, na horizontal, perpendiculares ao rosto, como os de um porco espinho.

Por dentro meu corpo também já teve dias melhores. Os rins já não funcionam da mesma maneira, a pressão nunca mais foi doze por oito e eu tento me acostumar com novas palavras no meu dia a dia: colesterol, triglicérides, creatinina, uréia e próstata. O dia que eu mais temia na vida finalmente está perto de chegar: aquele agradável exame no urologista. Pior é aguentar as piadas dos amigos: “cuidado para não se apaixonar!”

E isso é só o princípio. Chegar aos quarenta realmente não tem sido fácil. Quando eu penso que ainda vêm os cinquenta, os sessenta, os setenta... há motivo para comemoração?

Autor: Astrogildo Cândido da Costa (PRR3)
Imagens por Robbert van der Steege ChromaticOrb

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